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Pensamento Pedagógico Brasileiro: por uma prática libertadora



No atravessamento de ideais, Germano (1993), diz que a vida política do Brasil sempre esteve enlaçada pelas Forças Armadas e em especial pelo exército, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, com a Guerra do Paraguai (1865-1870), a qual revelou conflitos entre o Exército e o Poder Imperial. Esses laços se estenderam à abolição da escravatura em 1888; na instauração da República em 1889; cooperou para o fim da República em 1930; auxiliou no estabelecimento da ditadura de Vargas, período conhecido como Estado Novo; destituiu o mesmo Vargas em 1945, bem como, esteve presente no suicídio de Vargas; e, instaurou o golpe de Estado de 1964.
O Estado Novo constitui-se, de acordo com Germano (1993), na consolidação do domínio burguês no Brasil e este movimento efetiva uma acentuada intervenção do Estado na economia, na modernização, na educação, entre outros, fazendo com que os militares abandonem as posições reformistas e busquem neste momento, o fortalecimento das “Forças Armadas, na segurança interna e na defesa externa”. Esse deslocamento dos militares preanuncia um aspecto importante do pós 64: a ideologia da Segurança Nacional. Ou seja, é o momento do antiliberalismo e do anticomunismo.
Devido à crise econômica e política, o início dos anos 60 foi crítico para as elites brasileiras. Conforme Germano (1993), a instabilidade e insustentabilidade do Estado em criar condições favoráveis para um crescimento econômico e de garantir a seletividade de classe e a reprodução da dominação política da burguesia, em 1964 é deflagrado através da participação da elite, de multinacionais, do Governo dos Estados Unidos, e das Forças Armadas como executiva, o golpe, chamado pelos militares de Revolução de 64. A ditadura foi consolidada enquanto processo pelos chamados Atos Institucionais - AI, por meio dos quais, os direitos civis são aluídos. Nessa brutal repressão, milhares de pessoas tornaram-se expatriados políticos, torturadas, mortas em nome da Segurança Nacional.
O regime militar, deste período, realizou a Reforma Universitária, através da Lei 5.540/68, e a Reforma do Ensino de 1° e 2° Graus, Lei 5.692/71. Nessas propostas, o homem deverá ser adestrado para a Segurança Nacional.
Em um cenário de intensos discursos e ações, surgem ideais em favor de reformas estruturais na sociedade brasileira. Em um primeiro momento, Paulo Freire traz a possibilidade de compreendermos que pela educação, enquanto prática libertadora será possível ampliar a participação das massas e conduzi-las à sua organização crescente, conforme Gadotti (1995) citando Freire:

[...] as elites (intelectuais) são assistencionalistas e não têm receio de recorrer à repressão e ao autoritarismo quando se sentem ameaçadas. Por outro lado, as classes médias estão em busca de ascensão social e se apoiam nas elites. Desta forma, a solução para transformar a sociedade opressora está nas mãos das massas populares, “conscientes e organizadas”. (GADOTTI, 1995)

Nessa perspectiva, a pedagogia do oprimido, enquanto processo, buscaria a superação de uma cultura colonial para uma sociedade aberta. Esse movimento deveria buscar a conscientização do sujeito articulado com uma práxis desafiadora e transformadora da realidade. Para tanto, torna-se imprescindível estabelecer um diálogo crítico horizontal (oposta ao eletismo) como condição para favorecer e sustentar o amor, a humildade, a esperança, fé e confiança nas relações entre os sujeitos para descobrirem-se como sujeitos históricos no processo.
Em linhas gerais, Paulo Freire, conforme Gadotti (1995), caracteriza duas concepções opostas de educação: a concepção bancária literalmente burguesa, pois, o educador é o que sabe e julga e os alunos meros objetos. Em contrapartida, a concepção problematizadora funda-se justamente na relação dialógico dialética entre educador e educando – ambos aprendem juntos, ambos se emancipam.
Ser fiel a Paulo Freire significa, antes de mais nada, reinventá-lo e reinventar-se como ele. Nisto aliás, consiste a superação (aufhebung) na dialética: não é nem a cópia e nem a negação do passado, do caminho já percorrido pelos outros. É a sua transformação e, ao mesmo tempo, a conservação do que há de fundamental e original nele, e a elaboração de uma síntese qualitativa. (GADOTTI, 1995).
Em outro movimento, de acordo com Gadotti (1995), o educador e antropólogo Brandão nos apresenta a educação popular como alternativa à educação dominante e à conquista de novas formas de organização de classes. Esse deslocamento aconteceria através de uma educação como processo de humanização ao longo da vida e de maneira variada.
Então, o processo de ensino-aprendizagem não é algo imposto e sim um ato de conhecimento e de transformação social, pois, o aprender se daria a partir do conhecimento que o aluno traz consigo, ou seja, um saber popular e para o educador é estar comprometido politicamente e, ser solidário e responsável por buscar a direção justa para que possam em conjunto construir uma consciência cidadã até que o “povo assume de uma vez o leme e a direção do barco” (GADOTTI, 1995).
Nesta perspectiva, a educação popular, será um processo que busca na organização e na persistência, a participação na formação, o “fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos movimentos populares, com o objetivo de apoiar a passagem do saber popular ao saber orgânico, ou seja, do saber da comunidade ao saber de classe na comunidade”.
Em uma sociedade, conforme Gadotti (1995), que se fundamenta nos princípios da eficiência e do lucro, as pessoas acabam dissipando sua identidade e viram função alienada que segue às cegas as regras da moral, da ciência, da religião etc., que são articuladas pelo poder mágico do discurso vigente.
Nesse contexto, Rubem Alves propõe a educação como um espaço possível de desinstalação. Ou seja, procura construir uma educação, uma escola, enquanto espaço de prazer e da fala. Este é o enfoque principal de Alves, citado por Gadotti (1995), a linguagem, a fala ao lado do corpo.
O educador fala com o corpo. É no corpo de cada educador e de cada educando que estão escritas as suas histórias. Daí a necessidade de lê-lo e relê-lo constantemente. O corpo é o primeiro livro que devemos descobrir; por isso, é preciso reaprender a linguagem do amor, das coisas belas e das coisas boas, para que o corpo se levante e se disponha a lutar.
Mostra a importância da formação do educador comprometido consigo mesmo e com o aluno, capaz de superar a burocratização e a uniformização a que são submetidos. Inquietando-se com o papel do saber e com a crescente desumanização das relações humanas.
Nas palavras de Gadotti (1995), é valorizar o prazer, o sentimento, a arte e a paixão na educação e na vida humana. O melhor método? O método do amor é melhor do que o racional para educar, aprender e ensinar.
E por que não nos deixarmos envolver pela paixão de conhecer o mundo? Eis a proposta de prática pedagógica de Madalena Freire, na qual é possível o exercício do diálogo desde a primeira educação articulando conhecer e viver, envolvidos pela paixão.
O trabalho de Madalena Freire, conforme Gadotti (1995), busca superar a dicotomia entre o cognitivo e o afetivo para que a educação seja um processo prazeroso. Nas palavras de Madalena Freire:

[...] o ato de conhecer é tão vital como comer ou dormir, e eu não posso comer ou dormir por alguém. A escola em geral tem esta prática, a de que o conhecimento pode ser doado, impedindo que a criança e, também, os professores o construam. Só assim a busca do conhecimento não é preparação para nada, e sim VIDA, aqui e agora. E é vida que precisa ser resgatada pela escola.

A partir do vivido da criança, o educador pode planejar e organizar as atividades escolares sem perder a direção pedagógica e o seu papel organizativo. As atividades se configuram a partir dos interesses das crianças, da sua vivência, para que o processo de construção do conhecimento e do afetivo, por exemplo, a alfabetização e a construção de um sistema de representação (leitura e escrita), fluam naturalmente na vida da criança para que quando adulto, a vida possa fluir sem artifícios.
É procurando compreender as atividades espontâneas das crianças que vou, pouco a pouco, captando os seus interesses, os mais diversos. As propostas de trabalho que não apenas faço às crianças, mas que também com elas discuto, expressam, e não poderia deixar de ser assim, aqueles interesses.

[...] Não é de estranhar, pois, que as crianças se encontrem nas suas atividades e as percebam como algo delas, ao mesmo tempo em que vão entendendo o meu papel de organizadora e não de “dona” de suas atividades. (FREIRE, 1983)

Creio que cabe aos professores o exercício proposto por Freire (1983), de se permitirem entender a espontaneidade dos nossos alunos (crianças, jovens, adultos), enquanto condição possível para desestabilizar uma pedagogia atrelada desde muito tempo à autoridade, para reprodução homogeneizadora e, como “campo de vigilância sobre o tempo, o espaço, o movimento, os gestos, para produzir corpos submissos, exercitados e dóceis” (GADOTTI, 1995).
Na verdade, o movimento proposto e quando articulado às práticas pedagógicas é dar sentido não somente para as atividades, mas também às relações que se constituem no espaço pedagógico. Esse deslocamento chama para uma nova postura não somente ao professor, mas também ao aluno.

Ao professor, conforme Gadotti (1995) citando Chauí, cabe algumas perguntas: qual há de ser a função do educador atual? Como romper com essa violência chamada modernização? Como não cair nas armadilhas do conhecer para não pensar, adquirir e reproduzir para não criar, consumir em lugar de realizar o trabalho de reflexão?


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